segunda-feira, 6 de abril de 2015

É o tempo da travessia




    Ter objetivos de vida é algo tão essencial quanto respirar. Se não os tem, não há motivo para o qual viver, e eles devem ser seus, escolhidos por você, influenciados apenas pelos seus próprios desejos, experiências, vontades e anseios. De mais ninguém, vale salientar. Digo isso por perceber, entre as pessoas, que muitas delas vivem  por um escopo, ou mais, que são designados por familiares, amigos, sociedade, dentre outros elementos. Logo, vivem para e por algo de fora e não de dentro, o que é extremamente nocivo a sua própria existência. 

   Dentro desse contexto, o indivíduo passa a viver como um projeto: um projeto dos pais, dos irmãos, dos amigos e da sociedade. E não para si, por si, por amor próprio. Já questionei muitos em meu redor, (e a mim mesma, óbvio): para que você existe? O que te faz mover adiante?...  e triste é ver que essa é uma das perguntas mais difíceis de se responder (depois de "quem sou eu?"). Quando encontram-se respostas, são elas (não apenas, reforço que estou fazendo uma reflexão generalizada):
- "Vivo para agradar os outros, pois só assim, posso ser amado.";
- "Vivo para cuidar dos meus pais, amigos, cachorros, do papagaio, da vizinha, do mundo, essa é minha função - menos de mim mesmo.'';
- ''Vivo para entrar numa faculdade e num curso foda, não sei se eu quero, mas todos falam para eu fazer.'';
- ''Vivo para o trabalho.'';
- ''Vivo para os meus filhos'';
- ''Vivo para fazer o outro feliz'';
- "Não sei porque estou aqui."

   Você consegue viver apenas por e para você, e realmente sabe identificar  quais desejos vêm de dentro do seu coração, da sua alma, do seu self, e quais você cumpre apenas para ser uma pessoa ideal, perfeita, e ''feliz'' de acordo com padrões e exigências impostas?

   Essas são apenas questões reflexivas, tenho a consciência de que é difícil chegar a uma conclusão. Somos seres humanos, cheios de traumas, medos, inseguranças, que nos atrapalham em nossos propósitos. Não obstante, é necessário que olhemos com amor para esse assunto. Pois, quando não vivemos por nós, a vida perde o brilho, e gastamos uma energia tremenda que poderia estar sendo canalizada para coisas mais frutíferas e fazendo da nossa existência mais bela, e mais deliciosa.

   É o tempo da travessia. Cada um tem a sua, e cada fase da vida exige um riacho diferente, com obstáculos, troncos, raízes. Com pontes que podem se quebrar a qualquer momento. Com correntezas, tempestades. Há um caminho árduo e de muita batalha, às vezes, para alcançar seus méritos, mas ele pode ser mais prazeroso se juntamente não vier aquele sentimento, aquele peso de: ''se eu não conseguir, alguém vai se decepcionar muito com isso, pois, na verdade, não estou fazendo por mim''.

  Com todos os percalços, ainda é necessário chegar do outro lado, pois lá se encontra o que tanto se almeja. O que fazer para atravessar, de onde tirar força para superar cada etapa, para fazer diversas coisas desagradáveis, para passar por estágios insuportáveis? É preciso ter energia, essa que vem do coração, do desejo mais puro da sua alma, e apenas da sua alma. Ela faz você seguir adiante, com foco, determinação e muito amor. Desse modo, o que você quer para sua vida, é conquistado, e não há nada mais maravilhoso que isso no mundo. Você se preenche, e aquele sentimento de vazio que por muito se tentou ocupar com algo supérfluo, se esvai.

   Então, passada a travessia, mais a frente há outra, e outra, e outra, e quanto mais travessias, mais objetivos, seus, e de mais ninguém. E a vida se torna linda.

"É o tempo da travessia, e se não ousarmos fazê-la, estaremos, para sempre, à margem de nós mesmos."

F. Pessoa

Imagem: A Ponte Japonesa -  Claude Monet - 1899


quarta-feira, 25 de março de 2015

Das inconstâncias da vida





    Essa já foi uma analogia espalhada por aí, e já tá bem clichezinha, porém, acho muito inteligente e válida para se refletir. O eletrocardiograma, sim, esse exame aí de cima, registra basicamente o ritmo do nosso coração, quão bem ele funciona, como a vida bate dentro de nós. Se, por infortúnio do destino, esse órgão para de funcionar, o ECG configura um aspecto linear, apontando que a vida chegou ao fim.

   Da mesma maneira, nossa vida se prossegue. Há fases em que estamos lá naquele pico, em que nosso dia-a-dia flui, estamos focados e cheios de energia para realizar nossos objetivos, e, desse modo os planos se concretizam. Acordamos e simplesmente nos sentimos bem com nós mesmos, por estarmos vivos. Nos olhamos no espelho e aquilo que ali se reflete nos agrada. Nossa saúde mental, física e emocional vai muito bem, obrigada. As melhores companhias nos rodeiam, quem amamos está perto, e dentro, e recíproco. Os dias são mais sorridentes, as noites, mais aconchegantes. Nosso lar é um porto seguro, nossa alma, está em paz. Os relacionamentos vão de vento em poupa, saúdaveis, sem problema algum, sem desentedimentos. Os momentos de prazer tomam conta da maior parte do tempo, e o nosso coração se recarrega de amor. O emprego que se almejava é conquistado, a viagem que por tanto tempo se planejou também, aquele teste para que tanto estudou passou e foi um sucesso, e agora é só alegria! Só que não...

   Bruscamente, o jogo vira, e vem o chefão novamente, passa-se a uma fase mais árdua, obscura, no ponto mais baixo do gráfico da vida. A energia para concretizar o que se deseja se esvai, e tem mais obstáculos do que soluções na nossa rotina. Ao acordar, nada nos motiva em sair ali daquela cama. A vontade é de se esconder e fugir, apenas. Os dias são mais sombrios e amargurantes. Perde-se o foco dos objetivos. Olhamos nossa imagem, e nada daquilo que enxergamos nos agrada. A saúde emocional, e também a física, já não tá lá essas coisas. Atraímos as piores pessoas ao nosso redor, e quem amamos, vai embora, ou deixamos ir, e há uma incerteza sobre sua volta. Tudo perde o sentido, totalmente. O local em que habitamos já não é tão agradável assim, o país em que moramos nos incomoda, e até o passarinho que canta feliz pela janela é alvo de inveja, do tipo, ''por que você tá cantando feliz assim? Tá tudo uma merda!". O emprego que estávamos querendo, não dá certo, e o intercâmbio ou a viagem que planejávamos, vai por água abaixo. E por aí vai, decepção atrás de decepção, e agora, é só tristeza...

   Mas e se então, não existissem "dias de luta, dias de glória?" E se a vida fosse uma constante, parada, sem acontecimentos tão bons, nem tão ruins? Ela iria passar, de um jeito pacato e nada inusitado, sem surpresas, sem desafios, sem grandes conquistas, sem ganhos nem perdas. Simplesmente passaria, como uma música de uma nota só. Nossa, me dá sono só de imaginar a vida assim enquanto escrevo! Que monotonia seria se essas fases bipolares da existência não acontecessem...contudo, temos a tendência de criar uma frustração em cima da inconstância da nossa vida, como se ela toda pudesse ser perfeita, ou imperfeita! Isso tudo porque esse turbilhão de emoções e acontecimentos nos retiram daquela conhecida zona de conforto e nos faz ter que tomar atitudes drásticas, principalmente quando estamos passando por períodos de ''vacas magras''. 

   Todavia, essa é a beleza de viver. Mudanças ocorrem o tempo todo, e todas elas trazem insegurança, raiva, e sentimentos inúmeros. Se permanecermos no mundo ideal do conto de fadas, não estaremos em contato com a realidade, e a vida cessa. E se, da mesma maneira, nos entregarmos totalmente quando a coisa apertar pro nosso lado, ficaremos apenas em contato com a morte, e nosso ciclo vital também se encerra.

  Os caminhos são tortuosos e cheios de surpresas, mas são eles que dão sentido à vida, que nos fazem crescer, evoluir e seguir em frente. Sempre com um objetivo para não se perder de vista. Pois, assim como no ECG, se não houver pontos de altos e baixos, você morre. Sua vida acaba por aqui, e a escolha é sua.

E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio, - e agora?

Com a chave na mão 
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais!
José, e agora?"

Carlos Drummond de Andrade

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Quem é a pessoa mais importante na sua vida?

  


   Você. Sim, esse ser humano doido, que habita aí dentro. Um paradoxo ambulante, cheio de personagens dentro de si, que ora entram em conflito e geram uma confusão dantesca na vida, e ora trabalham em perfeita harmonia e fazem com que tudo flua de uma maneira doce e leve. Somos assim, cheios de altos e baixos, complexos, intrigantes. Somos também seres maravilhosos, com um tremenda perspicácia de lidar com a vida como ela é, superando os obstáculos, caindo, se esfolando, mas levantando de novo, prontos para um próximo ciclo.

    Seres imperfeitos, por que não? Há uma tendência errônea e ignorante de, às vezes, acharmos que temos de agir em plena perfeição, não nos permitindo a falhas. Isso é humanamente impossível, e essa ilusão de querer ser algo que não somos, nos traz consequências nada agradáveis. Na tentativa de ''fazer tudo certinho'', deixamos nossa essência de lado. Ela fica à mercê de um projeto de ego que almeja agradar a tudo e todos para receber em troca o amor, a fidelidade, a aprovação social, ou preenchimento de um buraco infinito. E isso destroi nossa alma, pois o nosso verdadeiro eu fica em segundo plano. 

   E não, isso não é egoísmo, mas o ''amor próprio'' de que tanto se fala. A sociedade julga tal sentimento como se fosse uma espécie de egocentrismo, num tom negativo. Para mim, está bem longe de tal interpretação. Quando nos colocamos em primeiro lugar em nossas vidas e somos verdadeiros com o que se passa por dentro, podemos ver o mundo com mais clareza e discernimento, e assim, respeitar o universo como um todo, e, a partir de tudo isso, os acontecimentos e objetivos que possuímos podem florescer de maneira natural.

  Ainda, me parece que existe uma predisposição interna para projetar nossa felicidade em coisas externas e pessoas. E quanto mais isso fazemos, mais distante fica de alcançá-la. O vazio só aumenta... e às vezes só percebemos o rumo que a vida está tomando depois de levar um baque, após quebrar todo nosso castelo e ter que reconstruí-lo, e perceber que ela habita dentro e não fora, que fica ali, escondidinha, esperando para ser encontrada e fazer nossa existência valer à pena.

   É, o ser humano é mesmo código, que poucos têm acesso, verdadeiramente. Difícil de entender. E não escrevo tais observações porque tenho o maior controle e conhecimento sobre mim, mas pelo fato de ter que me conhecer de novo a cada fato, a cada dia. É uma luta infinita, contudo, se nos deixarmos para trás e colocarmos o indivíduo moldado e estereotipado que não somos à frente, a vida vai se tornar um desprazer cada vez maior, e ela perderá total sentido. Sejamos mais justos com nosso coração, ele é o mais sábio de todos os tempos!

"A desolação é o presente
O resto é uma prova de sua paciência,
do quanto realmente quis fazer
E farei, apesar do menosprezo
E será melhor que qualquer coisa que possa imaginar.

Se vai tentar,
Vá em frente.
Não há outro sentimento como este
Ficará sozinho com os Deuses
E as noites serão quentes
Levará a vida com um sorriso perfeito
É a única coisa que vale a pena."

Charles Bukowski

sábado, 31 de janeiro de 2015

E se eu não sentisse medo de nada?

 



    Por vezes me pego em situações que me trazem uma insegurança imensurável. O coração acelera, as mãos suam, a boca seca, e uma sensação de torpor momentânea me transcende. É como se estivesse atada ali, naquele lugar, sem poder me mover, pisando em ovos e completamente cega. E quanto mais tento raciocinar, menos é possível, pois o medo, quando supera seus limites, tem uma habilidade dantesca de consumir toda nossa lógica e capacidade de reagir perante ao que está ocorrendo. A sensação é de que há um buraco de profundidade infinita e ignota pela frente, e mais um passo, você pode cair nele e talvez nunca mais sair.

   Essa descrição refere-se ao pânico pelo desconhecido. Afinal, creio que é praticamente impossível sentir-se seguro perante algo que vai mudar totalmente o rumo da sua vida, do qual você não tem noção alguma, ou pouca, de como proceder. Isso acontece em inúmeras circunstâncias. Quando estamos próximos a um término de relacionamento, mudança de emprego, de fase da vida, de país, cidade, casa...quando temos que tomar uma decisão importante que pode afetar, além de si, outras pessoas queridas, e até mesmo quando é preciso falar um não doloroso. Enfim, esse temor aparece, resumidamente, em ocasiões em que a existência, em todo seu âmbito, exige certa mudança, e por mais que a gente saiba qual é o passo seguinte, aquilo ainda permanece estranho aos nossos olhos, pois ainda não foi vivenciado.

     Contudo, qual é a dose de medo que nos move adiante, e qual é a que nos bloqueia? E se ele simplesmente não existisse, será que viveríamos melhor? Bom, na minha concepção, esse sentimento funciona como o freio da vida. Se pisarmos demais no acelerador, sem conhecer o caminho ainda, podemos dar de cara com um poste, uma árvore, ou perder o controle do volante e capotar, cair de um abismo e acabar com tudo. Logo, o medo vem, segurando, alertando-nos de que algo anônimo está por vir e que devemos pensar e sentir um pouco antes de tomar qualquer atitude. Se sem ele já agimos por impulso e irracionalmente muitas vezes, imaginem se não existisse! Nossos destinos seriam, em sua totalidade, inconsequentes...e não é agradável presumir qual seria o resultado.

    Todavia, como tudo, o medo tem o seu lado obscuro (achava por muito tempo que ele só tinha esse lado). Em demasiadas quantidades, seu efeito colateral pode ser extremamente nocivo. Desse modo, ele é capaz de impedir que alcancemos objetivos de vida, ou até mesmo que nem percebamos que tais objetivos existem. Em altas doses, ele nos cega, nos trava, e nos faz regredir a fases anteriores, cheias de traumas e amarras emocionais. Como consequência, é impossível que nossa vida siga, de forma adulta e firme, para que nossos sonhos se concretizem, e que evoluamos como seres humanos.

    Não se sentir amedrontado com nada é irreal, nem tentem discutir. E se alguém não sente nada disso, é melhor ficar esperto! Ninguém é onipotente a esse ponto (só em seus próprios mundos). E mais uma vez todo esse discurso me leva a perceber que o aliado da vida é o equilíbrio. Nem sem medo, nem com medo demais, mas com a quantia suficiente para perceber quando parar, sentir, respirar fundo e mudar de direção. O mundo adulto traz escolhas difíceis, e está em constante modificação. Cabe a nós absorvermos o que é bom, e jogarmos fora o lixo. E lembre-se: o desconhecido sempre vai ser arrepiante. Se tiver que fazer algo, faça, mesmo que com muito medo.

Finalizo com esse poema que diz muito por si só:

"A vida é assim:
Esquenta e esfria
Aperta daí afrouxa
Sossega e depois desinquieta
O que ela quer da gente
É coragem."

Guimarães Rosa

Imagem: O grito - Edvard Munch - 1893

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

"You missed the starting gun"



             A sensação é de que o tempo escorre pelas mãos, e que, devido a tal fato, muito do que podia se fazer é perdido. O que está acontecendo? Por que a vida está se tornando tão efêmera? Creio que esse seja um sentimento global, pois, ao menos as pessoas que convivo (e eu, óbvio) reclamam frequentemente que as 24h do dia não são suficientes para realizar as devidas tarefas e prazeres que gostariam.
                
               Tenho algumas hipóteses para, talvez, explicar esse fenômeno. Primeiro: vivemos a geração tecnológica, na qual temos informações instantaneamente, a todo momento. Em segundos somos capazes de captar o que ocorre em redor mundo. Logo, tudo se processa muito, mas muito rápido, e isso nos instiga, acredito, a andar na mesma velocidade. Afinal, se não dançarmos conforme a música, podemos desperdiçar detalhes preciosos para nossa própria existência.

             Em segundo lugar, e não menos importante, vem a rotina por si só. As obrigações são deveras árduas e elas aumentam a cada minuto. Seu trabalho consome (no mínimo) 8 horas do seu dia. Além disso, é necessário possuir a habilidade de dividi-lo com estudos (que nunca acabam, e quanto mais, melhor), um certo tempo pra cuidar da saúde, alguns ainda para cuidar da família, da casa, da comida, do cachorro, do papagaio...e da vida alheia (alguns conseguem, não sei como!) rs. E ainda não é suficiente, porque, em adendo à autoexigência que está ali, sempre persistindo dentro de nós, há a demanda da sociedade por seres humanos cada vez mais "maquinalizados", se me permitem tal neologia, com uma memória ram gigante para ser capaz de processar tanto conhecimento  e tantas funções diferentes. Chego até a desconfiar se não possuímos alguns super poderes para dar conta disso.

           Do outro lado, padece a negligência com o tempo que nos é dado, o qual acabamos perdendo com superfluidades cotidianas. Cabe aqui, mais uma vez, inserir nossos novos meios de comunicação. No mesmo instante que nos dá o ensejo de tornarmos cientes do que anda a suceder, nos leva também a gastar horas ali, batendo um papo inútil, lendo coisas desnecessárias, e vendo o que o outro está fazendo, ou seja, "comendo" nosso tempo.

           Não, isso não é de todo ruim, precisamos de um escape durante o dia, contudo, a questão é que se perde a noção de quantas décadas ficamos ali, vidrados, deslizando o dedinho na tela do celular (acho que nem digitais eu tenho mais). Quando a gente desperta e olha para o relógio, as horas se esvaíram e o dia não rendeu. E então, tudo se acumula e o caos se estabelece.

     Num piscar de olhos, somos capazes de deixar passar momentos fugazes porém tão importantes, que poderiam transformar nossas vidas, e que talvez nunca voltarão...e ninguém vai nos alertar: " ei, você! Wake up! Sua vida está indo embora, e o que você fez de bom nela? O que você fez que te deu prazer de verdade? Será que está vivendo, ou apenas sobrevivendo?..." 

"And then one day you find
Ten years have got behind you
No one told you when to run
You missed the starting gun..."


Música inspiração do dia: Time - Pink Floyd - 1973
Imagem:  A Persistência da Memória - Salvador Dalí - 1931

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

O Amor nos Tempos de...Whatsapp

    



      Alguém consegue dar uma definição sobre o amor? Creio que talvez a pureza das crianças pode dissertar sobre, ou os animais, no seu instinto, e se pudessem se expressar por palavras. Só a humanidade que não. Além do mais, é quase impossível. Amor não tem descrição, amor se sente, não se explica. E como é sentí-lo? Não só amor de um homem para uma mulher, e vice-versa (homem para um homem, ou mulher para uma mulher também), e sim pela vida, pela natureza, pelo universo, pelo todo. Eu pelo menos, infelizmente, ao longo dos meus 24 anos, ainda não julgo que tenha sentido-o profundamente na minha alma, sem amarras, sem cegueiras emocionais, sem medo. 

    Deixar que ele flua livremente é um passo árduo, pois, para que isso ocorra, milhões de emaranhamentos e traumas passados (e atuais) devem ser superados...e digamos que tais problemas sempre irão existir, e não se dissolvem num passe de mágica. Em adendo, como se não bastassem todas essas barreiras, temos uma sociedade a qual faz uma tremenda apologia e campanha a favor do ''não amor'', do desapego, e da poligamia, na qual gostar e se entregar a alguém ou a algo é praticamente inaceitável e só acarretará dor. E não, não digo isso com preconceito, não sou hipócrita, pois eu mesma me sinto evangelizada por essas teorias.

    Não obstante, tenho uma certa convicção de que tudo isso foi arquitetado como meio de fuga. Fugir da verdade, dos sentimentos, do que vem do coração, e focar totalmente na razão - ela tem razão, às vezes, mas a mente, mente, e confiar só nela, não leva a muitos resultados positivos - tem sido uma meta nacional. Parece até pecado quando a gente tenta deixar o coração se sobressair! É uma insegurança que não tem fim. 

    Voltemos ao título do texto. Ele faz alusão, como bem podem perceber, ao livro '' O Amor nos Tempos de Cólera'' de Gabriel García Márquez. Digo em tempos de Whatsapp a fim de fazer algumas observações a respeito desse amor maluco, ou melhor, desse ''amor'' distorcido que cresceu juntamente aos contemporâneos meios de comunicação que tanto nos ajudam e atrapalham nas relações interpessoais. Ter 324855 mensagens de 173746 conversas, ou 838372454828 likes em uma foto, ou 294857364738 pessoas te chamando no chat do facebook ganhou mais credibilidade que o calor de um abraço, a sinceridade de um sorriso e o poder de um olhar. Sei lá, isso é triste. E a tendência é que nos distanciemos cada vez mais disso, pois essa dependência tecnológica só potencializa nossa ojeriza por nos relacionarmos com o mundo.

   É um processo complicado, como se pode ler. Somatizando as resistências internas, com a sociedade em que vivemos, fazer com que esse sentimento torne-se verdadeiro, e confiável, se transforma em um objetivo por pouco, inalcançável. Bom, suponho então, que esse trecho me dá o ensejo se inserir uma parte de tal livro, que diz: "Lembrou a ele que os fracos não entram jamais no reino do amor, que é um reino impiedoso e mesquinho, e que as mulheres só se entregam aos homens de ânimo resoluto, porque lhes infundem a segurança pela qual tanto anseiam para enfrentar a vida." -Só é capaz de amar de verdade quem é forte, pois entregar-se resulta em danos irreparáveis, falar o que sente é proibido. Esse reino é traiçoeiro, e, aparentemente, quando nos permitimos conectar uns aos outros, isso se dá por pura projeção, carência ou dependência ( sim, isso não é bom, é simplesmente doentio), e não porque simplesmente acontece.

     Finalizo essa postagem com algumas perguntas, talvez retóricas: como desmistificar e reconstruir o amor? Como se libertar dos emaranhamentos e deixar que esse sentimento siga seu caminho natural? Qual é a senha pra desbloquear o coração?


“Nunca teve pretensões de amar e ser amada, embora sempre nutrisse a esperança de encontrar algo que fosse como o amor, mas sem os problemas do amor.” p.188 - O Amor nos Tempos de Cólera -  Gabriel Gárcia Márquez

Imagem: Os amantes - René Magritte -1928

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Poema de mim



Metade ama, metade odeia
Nessa vida que me rodeia
Num descompasso sem fim
Dentro de mim

Um paradoxo vivo e cego
Entre o self e o ego
A pender entre dois extremos
Dentro dos quais corremos 

Sem saber pra onde ir
Sem deixar a vida fluir
E o coração falar
Só a alma calejar

E no fim de tudo
Em meio ao caminho escuro
Por fim vemos uma luz
Que nos seduz

E nos coloca de frente a nós mesmos
E assim vemos
Que os dois opostos partem da mesma origem
E ainda assim, nos afligem

Aparentemente duas partes diferentes
Que mesmo incoerentes
São parte de um só.